quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Boa, Hamlet!

00:49:36,873 --> 00:50:38,435

Morrer... dormir... nada mais! E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os conflitos, herança da carne. Que fim poderia ser mais devotamente desejado? Morrer... dormir. Dormir, talvez sonhar. Sim, eis a dificuldade. Porque no sono da morte, que sonhos podem sobrevir quando nos tivermos libertado do torvelinho da vida?


01:27:30,278 --> 01:27:32,075

- Então, HamIet... onde está Polônio?

- Ceando.

- Ceando? Onde?

- Não onde come, onde é comido. Certo congresso de vermes políticos está agora com ele.

- Ai!

- Um homem pode pescar com o verme que comeu um rei... e comer o peixe que se nutriu do verme.

- Que queres dizer?

- Nada. Mostrar-vos como um rei pode circular nas tripas de um mendigo.


00:57:06,589 --> 00:57:40,882

Que obra-prima é o homem! Nobre pela razão! Infinito em faculdade! Em formas e movimentos, é expressivo e maravilhoso! Nas ações, parece um anjo, na inteligência, um deus! A maravilha do mundo! Protótipo dos animais! E para mim, que significa essa quintessência do pó? O homem não me deleita...

(Hamlet - Franco Zeffirelli)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Diante de uma tela widscreen que em nada se assemelha ao formato do seu rosto:

- Acredito que a nossa ciberdiscussão sobre o assunto não pode ser satisfatória, seja pelas dificuldades da linguagem escrita somada às nossas falhas suposições, seja pelo caráter não-presencial que me impossibilita de interromper com um beijo qualquer assunto mal resolvido (mesmo sem a intenção de solucionar os ruídos na comunicação, experimentaríamos o extrapolar do nosso universo simbólico ambíguo e superficial).

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Cidadãos da República Kane

No aclamado filme Cidadão Kane, Orson Welles parece direcionar nossa atenção para um atributo interessante do personagem em questão: sua incessante busca pelo reconhecimento alheio. Um roteiro rodado no início da década de quarenta não se apresenta tão distante da atualidade no que diz respeito à condição humana. Na verdade, o perfil do Kane de Welles ironicamente se enquadraria bem mais nas angústias contemporâneas da pós-modernidade do que no cenário PB da modernidade de 1941. Não pela ausência de cores (o que, vale ressaltar, não desvalida em nada uma obra, uma vez que sempre ouço: “você está vendo um filme preto e branco?”, pois acreditem, numa época onde ainda não fora descoberto o uso das cores no cinema, já haviam grandes gênios capazes de fazer jus ao título de sétima arte). Logo, o tema aqui não é estético mas um pouco mais antropológico. Apesar de que vale lembrar o mérito revolucionário de Welles no sentido audiovisual causada por inovações como o uso de flashbacks, sombras, as longas seqüências sem cortes, os plongées, a distorção de imagens; a iluminação pouco convencional, os diálogos sobrepostos, a cenografia que mostra pela primeira vez no cinema o tetos dos ambientes.

Lendo algumas sinopses sobre o filme, percebi que muitas diziam algo como: “um poderoso e dramático conto sobre o uso e abusos do dinheiro e do poder.” Com uma síntese como esta, de fato, eu não esperava ver o filme que vi. Não foi o império Xanadu ou a monstruosa coleção de estuetas capazes de me impressionar a ponto de entender a essência de kane, o que efetivamente me emocionou foi, sem dúvida, a carga dramática presente em sua corrida desesperada pela conquista do afeto alheio. Tudo na vida do personagem, desde a infância, bruscamente separada dos pais - fato que acredito ser mostrado com o intuito de construir parte da identidade do Kane adulto - orbita em torno de ser amado e reconhecido, numa busca doentia e obsessiva.

Este é um cidadão ao qual enquadraria-se perfeitamente a República Pós-Moderna – o nosso mundinho de descontentamento generalizado. Assim como Kane, nós nos interessamos mais pelos meios do que pelos fins. Ele não preocupava-se com o multiplicar ou esvair de sua fortuna, Kane alimentava-se de prestígio, aplausos e confetes. Sua maior frustração foi concluir que o mesmo dinheiro que comprou, subtraiu de todas as coisas o seu maior atributo: a espontaneidade. A figura da inconsolável esposa (a cantora sem talento) se apresenta como a síntese desse fantasma, lembrando-o que o poder do dinheiro se limita quando trata-se do sentimento verdadeiro, da fidelidade e admiração espontâneas, sem fins lucrativos.

Somos os Kanes atuais buscando alcançar o reconhecimento pessoal num interminável agora, sem perspectivas de traços objetivos para um amanhã coletivo. Basta olharmos para o Iluminismo com as mentes brilhantes do século XVIII que procuravam nas ciências e nas artes emancipar a humanidade do obscurantismo da Idade Média. Tudo era feito com o objetivo de, no fim, alcançar a liberdade e a felicidade. Hoje, em termos de civilização, o movimento das sociedades não se inspira em idéias superiores, mas vive se movimentando com o intuito de estabelecer a concorrência acirrada entre todos os indivíduos, sem objetivos finais claros. O êxito pessoal é o que importa, porque a história não se move pela aspiração a um mundo melhor, mas pela ação mecânica da competição. Precisamos ter poder, dinheiro, um carro novo, um namorado bonito e educado, os filhos mais inteligentes, as mais belas fotos no orkut, os melhores cargos, os maiores títulos, tudo para conseguir o máximo de reconhecimento alheio e nos sentir superiores aos outros. E se não pudermos “ter”, resta-nos ainda apelar para a opção “parecer”. Parecer ter uma vida, parecer ser feliz. E com a nossa pós-modernidade alcançamos todas as ferramentas necessárias para tal: Clique aqui!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Malditas

O problema das benditas palavras mal ditas. 

"Quando as pessoas falam, enchem as outras de papo furado, fazem grandes teatros, tiram o corpo fora, vacilam e adotam várias formas de ambiguidades e insinuações. Todos nós fazemos isso, e nossa expectativa é que os outros também façam, mas ao mesmo tempo declaramos desejar afirmações diretas, que as pessoas digam logo o que querem, simples assim. Esse tipo de hipocrisia é universal à humanidade. Nem nas sociedades mais rudes as pessoas saem vomitando o que querem dizer, mas acobertam suas intenções sob várias formas de polidez, evasão e eufemismo". (Do que é feito o Pensamento - a língua como janela para a natureza humana, Steven Pinker)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Em pauta: a nossa suja realidade

Após ler um texto no blog de um amigo acerca da nossa revolta frente a uma violência incontrolada vivida nos dias atuais, resolvi refletir humildemente sobre um assunto que se apresenta tão complexo aos nossos olhares pessoais. 
Eu posso até me comover com a história do Sandro - é fato que chorei em Ônibus 174 (José Padilha) e me senti péssima por ter odiado o "bandido" na época da transmissão televisiva do episódio - posso encher-me de revolta frente à falta de compreensão mútua inerente ao ser humano, posso chamar todos os meus parentes e amigos de egoístas ao presenciar uma conversa do tipo "esses trombadinhas desgraçados, bando de vagabundos!", eu posso um monte de coisas... Posso abrir uma ong de apoio social, posso levar sopinha e cobertor para os moradores de rua, posso pensar que essas ações são pura hipocrisia e só funcionam no sentido de limpar minha consciência e fazer com que eu  me sinta um pouco menos culpada por tudo isso. E posso pensar como Sérgio Bianchi que a resolução desses problemas é Cronicamente Inviáviel. 
Eu posso estudar, me tornar Doutora e aprender a criticar as falhas da sociedade, mas com isso, fazer muito menos do que a senhora da ong que levou a sopa ao menino de rua. Ela pode ter matado a fome de alguém enquanto eu alimento a minha vaidade com palestras e livros publicados. E eu posso achar piegas o que acabei de escrever e até pensar: "E daí se ela matou a fome dele? Nada mudou na situação social em que ele se encontra". Afinal de contas eu realmente posso pensar isso baseada em uma série de índices e cálculos, inclusive o fato de eu não saber o que significa sentir fome - a não ser nos meus dias de dieta para o verão - não influem em nada no meu processo crítico!
E depois de pensar que posso pensar tudo isso, penso que não me sinto no direito de pensar assumindo um lugar de defesa específico. Sim, podem me chamar de covarde e dizer que essa é uma postura cômoda demais. E, para aqueles que quando se vêem nessa situação fazem a bela proeza de jogar a culpa em Deus...definitivamente não pretendo me aprofundar numa questão também complexa sobre livre arbítrio e toda aquela história de que se Deus interferisse em tudo - como alguns querem e acham que seria "justo" - certamente estes mesmos diriam mais tarde: "Droga de vida essa nossa! Não podemos nem aprender com nossos erros, vivemos uma ditadura divina! Esse cara aí se mete em tudo, nunca nos deu nada por completo, mentiu quando disse que entregaria o mundo em nossas mãos".
Somos orgulhosos demais para assumir a culpa, aliás esse tal Deus aí deveria ter nos criado apenas com a possibilidade de fazer o bem ("bem" este que não existiria se não houvesse a possibilidade de praticar o mal). Engraçado admirarmos tanto a dialética, até que ela não pise no nosso calo!
E para os diretores que fizeram obras magníficas como Ônibus 174, meu humilde apreço, acredito sim que o cinema tem que nos fazer pensar, tem que denunciar, tem que gerar consciência crítica. É lindo vê-lo educando e atuando socialmente. 
Entretanto, sinto lhes dizer caros diretores, que quando uma arma fôr apontada para a cabeça de uma das filhas de vocês, certamente não dirão "pobre homem, não teve chances na vida!"... Nessa hora meus amigos, adeus reflexão, adeus consciência social, bem vindos à lei da selva!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Fraternidade é Vermelha

Uma belíssima metáfora do poder de julgamento e da bondade humana expressas nas figuras do juíz aposentado vivido por Jean-Louis Trintignant, e da modelo ingênua e honesta, Valentine (Irène Jacob). 
A Fraternidade é Vermelha põe em cheque nossos critérios de avaliação e nos questiona com uma sutileza maestral a respeito do que chamamos de altruismo. Kiéslowski vasculha nosso íntimo e traz para nosso campo de visão, como que denunciando-nos a nós mesmos, os fantasmas que preferimos esconder no abismo de nossas almas. "Nossa incompreensão mútua, a indiferença com que nos tratamos , o não reconhecimento do Outro, a incomunicabilidade das relações no estágio mais agudo." (Ponto de Fuga) 
A comunicação chega a ser ridicularizada num filme que está centrado no relacionamento desenvolvido entre duas pessoas a partir de um estranho hábito praticado por uma delas: espionagem de conversas telefônicas. Um belo paradoxo, uma pertinente reflexão numa dita "Sociedade da Comunicação", o que me faz lembrar do livro de Ciro Marcondes Filho Até que ponto, de fato, nos comunicamos? 
Poderíamos pensar em outras questões levantadas no filme como a enorme e estranha teia da vida, o misterioso conflito das relações humanas, as coincidências não tão coincidentes, a teoria do caos como a queda de uma peça num dominó enfileirado, a impossibilidade de mudança nas escolhas feitas, o devir de Heráclito, as constantes transformações... tudo isso é assustador e belo, mais ainda quando traduzido pela força poética da linguagem cinematográfica de Krzysztof Kieslowski.