
No aclamado filme Cidadão Kane, Orson Welles parece direcionar nossa atenção para um atributo interessante do personagem em questão: sua incessante busca pelo reconhecimento alheio. Um roteiro rodado no início da década de quarenta não se apresenta tão distante da atualidade no que diz respeito à condição humana. Na verdade, o perfil do Kane de Welles ironicamente se enquadraria bem mais nas angústias contemporâneas da pós-modernidade do que no cenário PB da modernidade de 1941. Não pela ausência de cores (o que, vale ressaltar, não desvalida em nada uma obra, uma vez que sempre ouço: “você está vendo um filme preto e branco?”, pois acreditem, numa época onde ainda não fora descoberto o uso das cores no cinema, já haviam grandes gênios capazes de fazer jus ao título de sétima arte). Logo, o tema aqui não é estético mas um pouco mais antropológico. Apesar de que vale lembrar o mérito revolucionário de Welles no sentido audiovisual causada por inovações como o uso de flashbacks, sombras, as longas seqüências sem cortes, os plongées, a distorção de imagens; a iluminação pouco convencional, os diálogos sobrepostos, a cenografia que mostra pela primeira vez no cinema o tetos dos ambientes.
Lendo algumas sinopses sobre o filme, percebi que muitas diziam algo como: “um poderoso e dramático conto sobre o uso e abusos do dinheiro e do poder.” Com uma síntese como esta, de fato, eu não esperava ver o filme que vi. Não foi o império Xanadu ou a monstruosa coleção de estuetas capazes de me impressionar a ponto de entender a essência de kane, o que efetivamente me emocionou foi, sem dúvida, a carga dramática presente em sua corrida desesperada pela conquista do afeto alheio. Tudo na vida do personagem, desde a infância, bruscamente separada dos pais - fato que acredito ser mostrado com o intuito de construir parte da identidade do Kane adulto - orbita em torno de ser amado e reconhecido, numa busca doentia e obsessiva.
Este é um cidadão ao qual enquadraria-se perfeitamente a República Pós-Moderna – o nosso mundinho de descontentamento generalizado. Assim como Kane, nós nos interessamos mais pelos meios do que pelos fins. Ele não preocupava-se com o multiplicar ou esvair de sua fortuna, Kane alimentava-se de prestígio, aplausos e confetes. Sua maior frustração foi concluir que o mesmo dinheiro que comprou, subtraiu de todas as coisas o seu maior atributo: a espontaneidade. A figura da inconsolável esposa (a cantora sem talento) se apresenta como a síntese desse fantasma, lembrando-o que o poder do dinheiro se limita quando trata-se do sentimento verdadeiro, da fidelidade e admiração espontâneas, sem fins lucrativos.
Somos os Kanes atuais buscando alcançar o reconhecimento pessoal num interminável agora, sem perspectivas de traços objetivos para um amanhã coletivo. Basta olharmos para o Iluminismo com as mentes brilhantes do século XVIII que procuravam nas ciências e nas artes emancipar a humanidade do obscurantismo da Idade Média. Tudo era feito com o objetivo de, no fim, alcançar a liberdade e a felicidade. Hoje, em termos de civilização, o movimento das sociedades não se inspira em idéias superiores, mas vive se movimentando com o intuito de estabelecer a concorrência acirrada entre todos os indivíduos, sem objetivos finais claros. O êxito pessoal é o que importa, porque a história não se move pela aspiração a um mundo melhor, mas pela ação mecânica da competição. Precisamos ter poder, dinheiro, um carro novo, um namorado bonito e educado, os filhos mais inteligentes, as mais belas fotos no orkut, os melhores cargos, os maiores títulos, tudo para conseguir o máximo de reconhecimento alheio e nos sentir superiores aos outros. E se não pudermos “ter”, resta-nos ainda apelar para a opção “parecer”. Parecer ter uma vida, parecer ser feliz. E com a nossa pós-modernidade alcançamos todas as ferramentas necessárias para tal: Clique aqui!